Voltei às aulas hoje. Dos tempos em que a lancheira era fornida pela mamãe, até os dias de hoje, nos quais tenho que ficar de pé falando horas sobre assuntos absolutamante despropositados (como a teoria dos atos processuais) vão-se mais de um lustro e uma década somados.
No entanto, persiste em mim a mania de fazer redações e entregá-las para a crítica externa. Na falta da professorinha, são vocês meus ternos leitores/censores, ao menos assim os espero.
Vida fácil.
O umbigo evoluía em manobras circulares, ritmado no mesmo compasso dos seus quadris. Não. Nunca imaginara que aquela atividade faria parte de sua vida. Pudera ser, quantas mulheres da bucólica e farisaica cidade de Minarão crêem-se de fato potenciais stripers e garotas de programa. Obviamente esse é um tipo de carreira circunstancial, a qual se é levada por uma aparente (pelo menos ante nossa tacanha compreensão) irracional sucessão de fatos. Como no clássico exemplo do efeito borboleta da teoria do caos, a opção por uma blusa rosa decotada leva a um namorado canalha, que leva a uma gravidez precoce, que, por sua vez, a coloca uma bela noite no meio de um palco, entre luzes e fumaça de gelo seco, vestida de Barbarela, com os pêlos todos eriçados de tensão e frio. Uma blusa rosa decotada...
Na verdade essa disposição fisiológica facilitou o início. Após o primeiro passo do número, a primeira rebolada, todo o resto era um frenesi de gata encurralada. Andava de um lado para o outro provocando enfurecida cada um daqueles pares de olhos que a fitavam visivelmente excitados, como se quisessem subjulgá-la com um forte golpe de clava na cabeça e arrastá-la naquele instante pelo cabelo para um leito improvisado de folhas secas. Por vezes sentia asco da urbanidade que regia suas relações, pensava que preferiria a clava na cabeça que o som estridente da maquininha do cartão de crédito.
- Porra, que ódio pensar que a minha buceta vai aparecer na fatura do cartão desse babaca como se ele tivesse enchido o tanque num posto de gasolina!
Parou o inquietante fluxo de consciência, concentrou-se na música - tocava Lou Reed no som comandado pelo corpulento cliente - o paxá tinha bom gosto. Não podia se dar o luxo de uma pueril consciência crítica, isso só iria piorar as coisas, afinal, quem iria alimentar a Lucinha, pagar o plano de saúde, a faculdade, o aluguel?
Rebolou mais firme, deu dois passos e lambeu a orelha hirsuta do risonho homem que lhe admirava com sincero torpor juvenil. Daí em diante tentou desanuviar a mente, deitou na cama, fitou um ponto fixo no teto e deixou que as coisas transcorressem como deviam ser.
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Aí Guiba, muito bom o post. Vá ler um conto do João do Rio (não só o Guiba) que é a tua reflexão cuspida e escarrada (expressão nojenta, hein?).
http://www.releituras.com/joaodorio_homem.asp
O conto é imperdível, fiquei boquiaberto quando ouvi.
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Geni e o Zepelim
Chico Buarque, 1977-1978
Para a peça Ópera do malandro
De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavoradaSe quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniquidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela famosa dama
- Esta noite me servir
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
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E aí irmão, saudade grande! Um abraço pra ti, pra Erikinha e pra mini.
Até qualquer dia.
Abçs Khalil, o Califa da desordem.
O garçon não traz seu comment?! Comenta aqui!!...
Mais uma dose do Anônimo, no balcão às: 11:06
