Se bem que tenha trazido alguns percalços, na medida em que acomoda os redatores à aparente infabilidade de seus meios, o computador atenuou algumas das agruras por que passa o profissional de comunicação, sobretudo nos jornais.
Os periódicos de antanho tinham nos seus quadros a figura assustadora do revisor- uma espécie de Torquemada das letras que, de lupa, dicionário, dedo em riste e chicote na mão, riscava, substituía, emendava os textos à luz do lampião vernacular.
Lembro-me do meu espanto, ao saber, que, juntamente com outros galicismos, a palavra detalhe fora proscrita das redações e erradicada dos textos jornalísticos, no início do século XX. Lima Barreto, o mais carioca de nossos romancistas, é que nos deu testemunho desse fato: segundo ele, os revisores de plantão propunham em substituição àquele empréstimo francês a palavra minúcia que, além de ter significado equivalente, por suas inequívocas raízes latinas, é fruto da sagrada árvore lexical portuguesa.
Havia, portanto, uma brigada de revisores que lutavam diariamente com a mesma valentia e obstinação dos cavaleiros medievais contra os moinhos de vento dos modismos lingüísticos. Alguns autores importantes de nossa literatura- entre eles, Graciliano Ramos- foram revisores de jornal.
Não tão gramatiqueiro quanto os seus colegas, o romancista alagoano tinha lá também as suas idiossincrasias e radicalismos. Implicava, por exemplo, e com razão, com expressões como outrossim, destarte e quejandas (epa!). Diante de uma pérola dessas, o velho Graça era capaz não só de riscar o vocábulo como também em vermelho acrescentar à margem da correção um comentário irreverente e, não raro, cabeludo.
De qualquer forma, quero crer que, nos jornais ou casas editoras atuais, o ofício de revisor sofreu declínio de prestígio ou de influência, graças à facilidade que nos trouxeram os programas de computador para as correções imediatas, sobretudo no campo da ortografia.
É bem verdade que, quanto ao estilo, os computadores acrescentaram pouco ou quase nada: quem escrevia mal, vai continuar escrevendo mal, seja à mão, à máquina, ao computador ou picotando o Braille.
A função do revisor exige muita atenção, algum conhecimento e toda a dedicação, o que implica tempo, estudo e paciência- elementos dissonantes no mundo computadorizado da vida moderna. Com isso me arrisco a pensar que o ofício de revisor tenha uma origem paradisíaca.
Imagino que, muito antes de Gutemberg, o primeiro jornal do Paraíso tenha tido como seu primeiro revisor uma anjo chamado Lúcifer. E quando o ensinamento divino estipulou que os homens amássemos uns aos outros, ele, revisando o texto, engoliu barriga e esqueceu de acentuar o verbo amar, o que fez com que a humanidade, seguindo ao pé da letra o mandamento, continuasse a se amassar até hoje.
Não preciso dizer que o anjo foi demitido.
Aquele foi seu último cochilo como anjo revisor, com certeza, e, com mais certeza ainda, o seu primeiro e grave erro diabólico.
O garçon não traz seu comment?! Comenta aqui!!...
Mais uma dose do Anônimo, no balcão às: 00:32
