Continuemos a investigação de botequim sobre a condição humana...
Para alguns, a melancolia é uma espécie de tristeza voluntária. É aquele bode que você amarra num toco com um laço de fita e não o desfaz de jeito nenhum. Victor Hugo disse que “a melancolia é a felicidade de estar triste”. Não concordo plenamente, acho que o melancólico está submetido a uma força diferente e mais forte que a sua vontade consciente.
Tentando ser mais claro, vou dar um exemplo do élan melancólico. Estava sexta-feira a noite em casa, curtindo uma colossal dor de cotovelo, quando resolvi ligar o radio. Mexi no dial ate parar – adivinhem – numa radio que tocava Tears in my pilow da Madona! Simplesmente, não há razão outra para tal atitude que um mórbido e patológico prazer em estar triste. O que vocês me dizem da função dos tangos e dos boleros:
Não tem fim
Oh! Meu Deus
Tenha pena de mim
Eu vivo no mundo penando como um condenado
Talvez eu esteja pagando meu grande pecado
De um amor...
(Clara Nunes, Meu sofrer)
Antes que uma risada frouxa escorregue dos teus lábios que murmuram: Esse cara é louco... Lembro-lhe como a melancolia acompanha a humanidade faz tempo. O último livro do Moacyr Scliar, Saturno nos Trópicos, narra maravilhosamente bem a chegada desse sentimento nestas terras e defende a interessante tese de que no fundo nós, brasileiros, conhecidos pela euforia carnavalesca, somos um povo melancólico. Formado pela mistura da tristeza dos desterrados com o banzo dos escravos. Teríamos uma espécie de transtorno bipolar, onde se alternam os estados de apatia depressiva e euforia maníaca.
Em muitos lugares o “problema” da melancolia é tratado como tema de saúde publica. Imagino que assim seja nos países nórdicos, recordistas em suicídios. Existe até uma espécie de depressão, chamada sazonal, que ocorre freqüentemente nos lugares onde durante o outono e o inverno há muito pouca luz. Fácil de entender para quem já fecha a cara num dia de chuva no Rio.
Por outro lado, o sentimento já se transformou em variável de calculo econômico, na tentativa de contabilizar os prejuízos decorrentes da baixa produtividade do contingente deprê de empregados.
Antes, era considerada um atributo característico dos poetas e artistas. Porém, o mundo em que ser triste era moda morreu com o capitalismo pós-industrial, obcecado pela idéia de produtividade.
Mas não fosse essa tristeza imanente, o que seria do patrimônio cultural da humanidade, enriquecido pelo legado de inúmeros deprimidos ilustres. Kurt Cobain, Jackson Polock, Yukio Mishima, Álvares de Azevedo, Byron, John Fante, Dostoievsky, Alan Poe, Michael Hutchence (o vocalista do INXS), Van Gogh, etc.
A musa da melancolia é uma dama atraente e perigosa. Mais um paradoxo para a galeria dos sentimentos humanos.
Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!
Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada -
Deixai-os, que é tudo assim.
Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu
Onde for que a alma emprego -
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.
Fernando Pessoa, 3-9-1924

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Para que ninguém se contamine com a aura melancólica, deixo-lhes um pequeno conto, pretensamente bem-humorado (aqueles que já o haviam lido no Blog do Quevedo, desculpem-me pela recursividade). Contudo, acho sinceramente que essa é uma ferida que precisa ser cutucada. O assunto é delicado, mas não pode ser empurrado para longe dos olhos. Um simples tapa no ombro e a frase amiga - isso passa! - ou ainda - esquenta não, problema todo mundo tem - não são muito utéis para quem realmente padece desse mal.
Enfim, segue o conto...
Não me sentia adequado àquela forma. Toda minha vida olhei as “Barbies” das minhas irmã, com seus peitos turbinados e cabelos louros esvoaçantes, e morri de inveja . Estranhamente, nunca senti atração por pessoas do meu sexo. Meu único desejo era tornar-me mulher, demorar a me vestir, fazer maquilagem, depilar as axilas, passar abacate no cabelo, viver de dieta (acho um luxo aquele iogurte corpus®), embora não precisasse. Quem sabe até um dia poder dizer: Não fale comigo, estou naqueles dias!
Entre mim e meu desejo, no entanto, sempre se interpôs um indesejável detalhe, esse penduricalho desgracioso que carrego entre as pernas desde que nasci. Por força desse bibelô démodé, minha mãe decidiu me chamar de Rogério. Não foi de todo mal, já nas apresentações peço encarecidamente que me chamem de Rô.
Acho que o fato de ter tido sempre muitas mulheres ao meu redor deve ter influenciado de algum jeito. Todas lindas, minhas divinas tias, avó, irmãs e minha mãe, nossa como sinto sua falta... No começo ela não aceitava muito bem. Cheguei a apanhar uma vez quando ela me pegou sentado na frente da penteadeira, experimentando um colar deslumbrante de pérolas, herança de vovó. Com o tempo ela passou a entender que não tinha volta, o problema era mesmo do invólucro, que a borboletinha vivia presa ainda nessa pele de lagarta. Foi graças a ela que pude me libertar.
Depois de ver realmente que só havia uma solução, mamãe financiou minha viagem para Zurique. Lá eu fiz a bendita bateria de cirurgias que me transformaram nessa Godness. Pode dizer Doutor, sem constrangimentos, se eu não tivesse lhe contado tudo e você passasse por mim na rua casualmente, o que você acharia? Eu levei no bolso uma foto da Maria Fernanda Cândido, mostrei para o médico bochechudo que me atendeu e disse-lhe num inglês sofrível: Doctor! I want stay like She!
A princípio, mamãe não queria que eu fizesse a tal “ablação peniana”, mas o processo já tinha se iniciado e era irreversível. Como iria eu continuar carregando o balangandã, agora que tinha esses seios lindos? Não queria viver nesse paradoxo nem mais um minuto.
Só lembro das luzes da sala do centro cirúrgico e daí eu apaguei. Aí que delírio! Só de imaginar já fico arrepiada. Toda uma vida seccionada pela lâmina de um bisturi prateado.
Confesso que demorei a me acostumar. O pós-operatório foi um pouco doloroso, mas o mais complicado foi a adaptação psicológica às modificações. Não que eu morresse de amor pelo negócio, mas no início era como se faltasse algo. Uma vez quase fiz xixi num scarpin de camurça vermelho, italiano obviamente. Eu teria me matado se isso tivesse acontecido, não pela perda do scarpin, mas talvez mais por sentir a presença do Rogério que insistia em mijar de pé e sujar a tampa do vaso.
Felizmente eu passei dessa fase, sacudi as pregas da saia e fui à luta! Tomei um banho de grifes na Europa e voltei ao Brasil. Hoje trabalho como estilista e fiz questão de mover um processo para trocar meu nome na carteira de identidade. Até pensei em fundar uma ONG para ajudar as minhas irmãs menos favorecidas, você sabe que nem todas tiveram as oportunidades que eu tive...
Então, foi aí que as coisas começaram a desandar. Nos camarins, olhando as meninas antes dos desfiles, comecei a ficar fascinada por aqueles corpos lindos e magérrimos. Era como se eu olhasse novamente as bonecas das minhas irmãs. Com o tempo comecei a sentir que não se tratava de um olhar de inveja, mas no fundo eu morria de tesão!
Doutor, eu estou completamente transtornada! Estou aqui para lhe dizer que acho que sou lésbica! Sinceramente, vim aqui lhe perguntar se já existe algum caso semelhante relatado nos anais científicos. Um transexual que é lésbica! Doutor, pelo amoorr de Nossa Senhora Desatadora dos Nós, será que Freud explica!?
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abçs e até a próxima semana.
O garçon não traz seu comment?! Comenta aqui!!...
Mais uma dose do Anônimo, no balcão às: 11:54
